Destruição da natureza pode tornar pandemias mais frequentes
Texto por: Inês Moreira Santos | RTP (7 de maio de 2020)
A ameaça à vida selvagem não é recente, mas agora os apelos visam também a sobrevivência da espécie humana. “Vão surgir outras pandemias”, alertam os cientistas, se continuarmos a destruir a natureza.
A desflorestação e a destruição maciça de ecossistemas são apenas algumas das formas “promíscuas” como o ser humano tem tratado a natureza. E se não agirmos já e alterarmos os nossos comportamentos face ao meio ambiente, “haverá pandemias ainda mais mortais do que a Covid-19”.
Atividade humana potencia pandemias
Um dos problemas é, por exemplo, o desflorestamento que obriga várias espécies selvagens a abandonarem os seus nichos e habitats naturais, mudando-se para ecossistemas “artificiais” onde interagem com outras espécies e potenciam o desenvolvimento de novas doenças, esclarecem os investigadores.
Segundo várias investigações, os morcegos são potenciais fontes de diversos vírus e, provavelmente, estão também na origem do Sars-Cov-2 (o novo coronavírus que provoca a Covid-19).
Os morcegos são, naturalmente, hospedeiros de alguns vírus. No entanto, só os transmitem a outros animais e a seres humanos se os seus ecossistemas forem invadidos e alterados pelo Homem.
Isto é, na natureza, é pouco provável que os morcegos contagiem outros animais com os vírus de que são hospedeiros ou que entrem em contato com novos agentes patogênicos. Mas com a invasão cada vez maior dos ecossistemas selvagens pelos seres humanos, a probabilidade de haver contato entre os animais e os humanos aumentou, assim como a transmissão de uma espécie para outra, a chamada zoonose.
A verdade é que dois anos antes de surgir a Covid-19, alguns estudos já previam que um novo coronavírus podia surgir dos morcegos no continente asiático, visto que esta é uma das regiões do mundo mais afetadas pelo desflorestamento e pela destruição de pântanos.
“Os humanos destroem o ambiente natural dos morcegos e, em seguida, oferecem alternativas. Alguns adaptam-se a um ambiente antropomorfizado, no qual diferentes espécies interagem, o que não acontecia na natureza“, explicou um dos autores do novo estudo, Rogers Frutos.
O especialista em doenças infecciosas da Universidade de Montpellier sustentou ainda estar provado que a densidade e a variedade de vírus transmitidos pelos morcegos tem aumentado em zonas populacionais.
“A destruição de habitats é uma condição essencial para a proliferação de um novo vírus“, acrescentou, “mas é apenas um dos vários fatores“.
No artigo pré-publicado, Roger Frutos e os co-autores consideram que a chave para evitar e conter futuras epidemias não é passar a temer a natureza, mas reconhecer que a atividade humana é responsável pela emergência e disseminação de novas doenças, como a Covid-19.
“O foco deve estar nas atividades humanas, uma vez que estas podem ser organizadas adequadamente“, lê-se no artigo.
Tanto na Sars como na Covid-19 é associada “a presença de animais selvagens vivos para comércio, alimento ou uso medicinal, à presença humana em mercados de venda desses animais, grandes eventos sociais e a mobilidade das pessoas“.
Desflorestamento da Amazônia preocupa cientistas
Os investigadores detectaram cerca de 3.200 espécies diferentes de coronavírus nos morcegos, mas a maioria é inofensiva para os seres humanos.
Dois desses coronavírus, encontrados no leste da Ásia foram responsáveis pela Sars (em 2003) e pela Covid-19. Os autores do artigo alertam para a potencial emergência de outros coronavírus na Ásia e para o risco de epidemias de outras novas doenças se desenvolverem em outros locais.
A América do Sul é, aliás, uma das regiões do planeta que mais preocupam os cientistas, considerando as grandes áreas destruídas e o acelerado processo de desflorestamento de que tem sido alvo, principalmente na Amazônia.
No Brasil, pelo menos 9,3% dos morcegos em regiões destruídas eram hospedeiros de vírus, um valor elevado comparativamente aos 3,7% de prevalência viral dos morcegos existentes em zonas de floresta intacta.
“O problema está quando juntamos espécies diferentes que não são naturalmente próximas umas das outras no mesmo ambiente. Isso permite que mutações de vírus saltem para outras espécies“, explicou a investigadora brasileira Alessandra Nava, ao Guardian.
“Temos de pensar na forma como tratamos os animais selvagens e a natureza. Atualmente, lidamos com ambos com muita promiscuidade“, acrescentou.
Os investigadores alertam que, para evitar futuras pandemias, tem de aumentar a proteção dos ecossistemas existentes, assim como a cooperação internacional na vigilância de potenciais epidemias e na educação das populações para que a transmissão de doenças seja contida e a propagação evitada.
“Sempre que possível, devemos lidar com a ameaça antes que seja reconhecida como uma doença“, frisam os autores do estudo. “Todas as ações oficiais impostas hoje são reações pós-evento, apenas com o objetivo de reduzir a progressão da doença“.
“Diferentes doenças exigem diferentes ações preventivas, mas todas serão eficientes e fáceis de implementar se forem geridas no nível comunitário“, apelam ainda os investigadores.
A verdade é que a preparação e a implementação de medidas preventivas é menos cara economicamente do que a atual contenção das sociedades e, consequente, devastação econômica a nível global.
“A preparação e educação das pessoas é, portanto, a principal prioridade“, concluem os cientistas.
O mundo não pode voltar ao “normal” depois da Covid-19
Depois da pandemia continuaremos a enfrentar a crise climática e as consequências do aquecimento global. Com parte dos países em confinamento, foram muitas as mudanças na natureza, incluindo a diminuição da poluição. Mas não será o suficiente para reverter o problema.
Nas últimas semanas, vários líderes mundiais têm alertado para o risco de voltarmos à normalidade que conhecíamos e, assim, não conseguirmos escapar às dramáticas consequências que se potenciam com as alterações climáticas.
Numa “declaração de princípios”, muitos governos comprometem-se a integrar medidas novas que tenham como foco a crise climática, quando elaborarem os planos de recuperação após a pandemia da Covid-19.
Bill de Blasio, presidente da câmara de Nova Iorque e um dos signatários do comunicado, afirmou ao Guardian que “meias medidas que mantêm o status quo não nos protegem da próxima crise“.
“Precisamos de um novo acordo para esses tempos – uma transformação maciça que reconstrua vidas, promova a igualdade e impeça a próxima crise econômica, de saúde ou climática“, acrescentou.
Já várias cidades, a nível mundial, anunciaram medidas para apoiar uma recuperação sustentável de baixo carbono após o desconfinamento e o alívio das restrições – desde a criação de novas ciclovias em Milão e na Cidade do México até à ampliação de calçadas e percursos pedestre em Nova Iorque e em Seattle.
“A Covid-19 expôs a desigualdade nas nossas sociedades e as falhas profundas da economia, que prejudicam as pessoas de comunidades carenciadas mais do que qualquer outra pessoa“, afirmou o presidente da câmara de Londres, Sadiq Khan, que anunciou a criação de mais espaços verdes e vias para ciclistas na capital britânica, com vista a promover “viagens ecológicas e sustentáveis“.
Determinado em “construir um futuro melhor” após a pandemia, Khan considera que é necessário “adotar um novo normal” e sair desta crise “com um impulso renovado para lidar com a emergência climática“.
A declaração alerta ainda que a recuperação da Covid-19 “não deve retornar aos ‘negócios como de costume’ – porque esse é um mundo a caminho dos 3º C ou mais de aquecimento”. Segundo este documento, uma ação imediata pelo clima “pode acelerar a recuperação econômica e aumentar a igualdade social, através do uso de novas tecnologias e da criação de novas indústrias e novos empregos”.
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